Dor de cabeça

Dor de cabeça e abuso de analgésicos

O excesso de analgésicos pode causar dores, você sabia?


por Alan Cronemberger Andrade

 


A busca pelo "melhor remédio" para dor de cabeça


Sempre quando temos alguma dor, queremos um alívio que seja rápido, fácil, e efetivo. O problema é que quando as dores são na cabeça, quase sempre temos algum familiar ou algum amigo para indicar "aquele remedinho". Qual o melhor remédio para dor de cabeça? A pergunta é bem simples e direta, mas a resposta, não é. A regra é que o bom remédio para dor de cabeça para uma pessoa não é necessariamente bom para outras.

As dores de cabeça são uma causa muito importante de idas a pronto-socorro (PS) no mundo inteiro. Estima-se que 2% das causas de admissão hospitalar em um serviço de Singapura eram por dores de cabeça. Estudo no Brasil, parece indicar que cefaleias foram responsáveis - neste estudo de 2001 - por 7,9% dos atendimentos em unidades básicas de saúde (UBS), 9,7% em pronto socorro e 1,1% das internações hospitalares.

Além de terem efeitos nas dores de cabeça, os medicamentos também provocam efeitos colaterais diversos. O uso contínuo de analgésicos pode causar irritações no estômago, gastrites e úlceras intestinais. Nenhum medicamento é livre de efeitos adversos. Se tem dúvida sobre o que são analgésicos, pode ver aqui.

O melhor remédio deve ser escolhido pelo médico do paciente, mas outros bons "remédios" são a informação e um bom diagnóstico. A recomendação é sempre buscar ajudar e consultar um profissional de saúde. Embora parte das vezes um neurologista pode não ser necessário, vários outros profissionais podem ser consultados, principalmente em casos de dores crônicas, como dentistas, otorrinolaringologistas, oftalmologistas, enfermeiros, fonoaudiólogos, neurocirurgiões, clínicos gerais, cardiologistas, fisioterapeutas, ortopedistas, reumatologistas...

Embora o melhor remédio para dor de cabeça realmente não seja fácil de encontrar, a busca por ele parece algo muito comum. Me chamou atenção esse gráfico abaixo. Olha só como são tendências de buscas no Brasil para o suposto "melhor remédio para dor de cabeça", segundo dados do Google:

O interesse em saber qual é esse "remédio milagroso", parece ter crescido ao longo do tempo. Olha só com são as buscas, entre 2004 e 2022, por "qual o melhor remédio para dor de cabeça" no Google.

O potencial problema do abuso de analgésicos e a automedicação


Há relatos de uso abusivo de analgésicos e dores de cabeça, desde aproximamente 1930. A estimativa é que cerca de 1 a 2% das pessoas sofram de dores de cabeça associadas a abuso de analgésicos. No Brasil, cerca de 1,4%. A mais alta prevalência parece ser na Rússia, impressionantes cerca de 7%. Em lugares especializados que tratam dores de cabeça a prevalência é de 30 a 50%. Muito, não? Parece ser mais comum também entre pessoas em idade ativa, entre 30 a 50 anos de idade. Os custos anuais por paciente com o problema giram em torno de mais de R$ 10k por ano, isso em 2012.


Por que será que os tratamento para dor de cabeça dão errado?

Falhas de tratamento são comuns em muitas doenças, mas quando o assunto é dor de cabeça e enxaquecas, a coisa pode ser ainda pior, já que tratamentos alternativos e ineficazes são muitas vezes confundidos com estratégias efetivas. Examinando essa questão, alguns autores agruparam essas falhas de tratamento em 5 (cinco) grandes categorias. Olha só:


(1) O diagnóstico está incompleto ou incorreto;

(2) Importantes fatores agravantes foram perdidos;

(3) A farmacoterapia (o tratamento farmacológico, com remédios) tem sido ou está inadequado;

(4) O tratamento não farmacológico (sem medicações) foi, ou é, inadequado;

(5) Existem outros fatores, incluindo expectativas irreais sobre melhora ou piora, e comorbidades (outras doenças associadas);


É importante lembrar que medicações como os "sartans" (como a candesertana), beta bloqueadores (como atenolol, propranolol, metoprolol), anticonvulsivantes (como topiramato, ácido valpróico/valproato), antidepressivos, e bloquadores de canal de cálcio podem ser usados no tratamento, e se bem indicados reduzir as taxas de falhas de tratamentos. 

Como se detecta o problema do uso excessivo dos analgésicos?


A dor de cabeça por abuso de medicação é classicada como um tipo de dor de cabeça crônica, ou seja, que já ocorre há algum tempo (tipicamente há meses), e secundária (que é devida a algum agente precipitante ou causador), por mais de 10 ou 15 dias mensais, dependendo do tipo de medicação.


As medicações implicadas neste tipo de dor secundária são oito segundo a Classificação Internacional de Cefaleias: induzidas pela ergotamina (ergotamínicos como a ergotamina e diidroergotamina), triptanos (como sumatriptano, naratriptano, zolmitriptano, rizatriptano), analgésicos (incluindo paracetamol, dipirona), aspirina (AAS), e outros anti-inflamatórios não esteróides (AINEs, como a nimesulida, ibuprofeno, cetoprofeno, naproxeno, piroxicam, meloxicam, diclofenaco), opiáceos (tramadol, hidromorfona, metadona, morfina, codeína, oxicodona, hidrocodona, oximorfona, fentanil), ou uma ou mais combinações destas medicações.


Há uma mescla de sintomas que muitas vezes se misturam com as dores de cabeça de outros tipos. A classificação, na sua terceira versão (no item 8.2 que descreve os critérios para a cefaleia associada a abuso de medicação), fala ainda que: "a cefaleia por uso excessivo de medicamentos é uma interação entre um agente terapêutico usado de maneira excessiva e um doente suscetível. Entre os que têm previamente um diagnóstico de cefaleia primária, a maioria apresenta enxaqueca cefaleia do tipo tensional (ou ambas); apenas uma minoria de doentes tem outros diagnósticos de cefaleias primárias, tais como a cefaleia em salvas cronica ou cefaleia persistente diária desde o início".


E continua, confirmando os dados de estudos clínicos pregressos: "O diagnóstico de cefaleia por uso excessivo de medicamentos é de extrema importância clínica. Aproximadamente metade dos doentes com cefaleias com dores de 15 ou mais dias por mês, por mais de 3 meses, tem cefaleia por uso excessivo de medicamentos. A evidência mostra que a maioria destes doentes melhora após a suspensão da medicação usada em excesso, bem como a sua resposta ao tratamento preventivo. O simples aviso acerca das causas e consequências de cefaleia por uso excessivo de medicamentos é uma parte essencial do esquema terapêutico".


O que os médicos neurologistas podem fazer nestes casos


Então, que fazer? O mais importante nas condutas relacionadas a este tipo de dores é a educação dos pacientes e profissionais de saúde. Existe recomendação formal para a interrupção do uso, mas o jeito que isso é feito deve ser muito individualizado, pois uma série de passos e estratégias devem ser programados, o que pode ser feito com diferentes estratégias e medicações. Há estudos que indicam que após 3 meses de educação, a dores de cabeça se resolvem em até 50% a 60% dos casos, um resultado considerado positivo.



Publicado em 29/07/2022 às 11:00h (UTC-3 BRT), e atualizado em 29/07/2022.

Leia mais: J Headache and Pain, 2018; International Classification of Headache Disorders, 3rd edition.

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