Saúde

Pesquisas ligam alimentos processados a demência e alteração cognitiva

Ultraprocessados foram relacionados a câncer e diabetes, e agora, a problemas neurológicos


por Alan Cronemberger Andrade

 

A história começa na "NOVA" classificação dos alimentos


Quais tipos de alimentos podem estar ligados a problemas cognitivos e demência? Esta é uma pergunta bem difícil de responder, mas novos capítulos dessa história tem um pé - dois, na verdade - no Brasil. Em 2009, pesquisadores brasileiros evoluíram a classificação dos alimentos, algo amplamente aceito na literatura médica.

Na chamada "classificação NOVA", mais do que somente pelas calorias, os alimentos foram separados naqueles que sofrem nenhuma, ou pouca manipulação industrial, daqueles que tem formulação exclusivamente baseada em grande manipulação industrial: são os chamados alimentos ultraprocessados. 🏭 No vídeo abaixo, a autor de muitos dos estudos sobre esta classificação, Carlos Monteiro detalha o problema.

Quais são os alimentos ultraprocessados? Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, a lista de ultraprocessados, inclui: biscoitos, sorvetes e guloseimas; bolos; cereais matinais; barras de cereais; sopas, macarrão/temperos “instantâneos”; salgadinhos; refrescos/refrigerantes; achocolatados; iogurtes e bebidas lácteas adoçadas; energéticos; caldos com sabor; maionese/molhos prontos; congelados prontos para consumo (massas, hambúrgueres, nuggets, salsichas); pão de forma; pães doces (com gordura vegetal hidrogenada, açúcar e aditivos químicos). Esses são alguns exemplos destes alimentos, que deveríamos evitar.

O entendimento sobre a questão realmente parece ter mudado em 2009, a partir da divulgação deste comentário publicado pelo autor, entitulado Nutrition and Health. The issue is not food, nor nutrients, so much as processing (traduzindo, "Nutrição e Saúde. O problema não é a comida, nem os nutrientes, mas o processamento" , que você pode acessar neste link). Em julho de 2022 o texto tinha mais de 600 citações científicas. Em artigo de 2019, o grupo detalha como eles sugere que estes alimentos ultraprocessados sejam identificados e dá sua definição, basicamente através da observação das características, e eles escrevem que:


Geralmente, a forma prática de identificar se um produto é ultraprocessado é verificar se a sua lista de ingredientes contém pelo menos uma característica do grupo alimentar ultraprocessado, ou seja, substâncias alimentares nunca ou raramente utilizadas em cozinhas, ou classes de aditivos cuja função é fazer o produto final palatáveis ou mais atraentes ("aditivos cosméticos"). - Carlos Monteiro, Geoffrey Cannon, Renata Levy e colaboradores, Public Health Nutrition 2019

A classificação NOVA explicada pelo seu próprio autor, o pesquisador do NUPENS-USP, Carlos Monteiro. Sugiro seguir o Instagram do núcleo, se você também se interessa pelo assunto.

O que eles tem de ruim? São associados a diabetes, obesidade, hipertensão, risco de câncer, e agora: demência e declínio cognitivo. Segundo documento da FAO, a classificação NOVA é a mais usada na literatura para este tipo de classificação. As evidências na última década sobre a correlação entre as duas coisas tem sido bastante relevante. No podcast abaixo há mais informações (falas em inglês) sobre o tema.


É importante mencionar que correlação de fatores relacionados não implica em causalidade, ou seja, nem tudo que está relacionado de forma estatisticamente relevante como nestes estudos tem uma relação de "causa e efeito". Você pode ler mais sobre correlação e causalidade neste link. Porém, mesmo não estabelecendo relações de causa e efeito, estes estudos chamados observacionais longitudinais, e com boa qualidade metodológica, podem ser fonte de boa evidência científica.


Para além de ser utilizado e aceito, alguns problemas da classificação precisam ser avaliados. Quando se pede a indivíduos treinados para avaliarem estes "tipos" de alimentos na vida real, e classificá-los em cada um dos grupos da classificação, parecem haver algumas falhas significativas.


Vale também comentar, que antes destes estudos, parecia haver efeito protetor de outro tipo de dieta, a chamada dieta mediterrânea, como fator de proteção para a doença de Alzheimer e demência de forma geral, o que não é a mesma história dos alimentos processados. Tentaremos abordar alguma hora sobre este tipo de informação da dieta, mas o fato é que estudos mais recentes, como este estudo espanhol, mostra que pode haver um risco 20% menos de conversão para demência em pessoas que aderem a este tipo de dieta em cerca de 16 mil participantes, seguidos ao longo de mais de 10 anos do estudo EPIC-Spain Dementia Cohort. 

Neste podcast do BMJ, em inglês, autores comentam sobre o impacto dos alimentos ultraprocessados na nossa saúde, e especial comentam um estudo francês de 2018, o NutriNet-Santé.

Os alimentos e os problemas cognitivos


Dois grandes estudos publicados entre julho e agosto de 2022 são sobre as relações entre problemas cognitivos sérios e alimentos ultraprocessados. Um com dados do Reino Unido foi publicado na principal revista de neurologia a Neurology, por pesquisadores chineses que analisaram os dados.


Ao fim, foram incluídas mais de 70 mil pessoas, que não tinham demência, mas que desenvolveram o problema ao longo do estudo prospectivo. Era registrado o que comeram: 206 tipos de comida e 30 de bebidas. O resultado mostrou que pessoas que consumiam 10% a mais de ultraprocessados tinham 25% mais risco de desenvolver #demência de qualquer causa. 😵‍


O outro estudo, este brasileiro, e divulgado no Congresso Internacional da Alzheimer's Association 2022 foi feito com amostra de estudo com 8 mil pessoas e revelou que há uma chance de declínio cognitivo e consumo de alimentos ultraprocessados. O declínio cognitivo foi relevante para função de execução de tarefas e memória nos testes realizados, dos 9 anos do estudo, e mostrou que mesmo excluindo outros fatores demográficos, sociais, e de vida, é possível afirmar que a associação poderia ser devida a este consumo.

Os dados podem ser preocupantes na medida em que estes alimentos tendem a ter alto valor calórico e eventualmente ter preço mais acessível, além de propaganda mais incisiva. Falar de acesso e preços de alimentos é desafiador em momentos de variações e questões mercadológicas. Contudo, como o Brasil sempre foi grande produtor de alimentos "naturais" ou in natura, e os preços dos alimentos saudáveis podem ser mais baixos (pelo menos para alguns grupos e lugares do país), segundo este estudo de 2016. Deve-se escolher alimentos saudáveis e trabalhar para que eles tenham menos impacto na saúde cerebral. Resta saber se o acesso a alimentos crus e com potencial de serem mais saudáveis, permanecerão na mesa, no bolso, e na saúde dos brasileiros.


Publicado em 06/08/2022 às 18:00h (UTC-3 BRT), e atualizado em 07/08/2022

Leia mais: Natália NG et al. (AAIC, 2022); Li H et al., (Neurology, 2022)

Imagens: @enginakyurt